“Rogo-vos pois, irmãos, pelas
misericórdias de Deus que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo
e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este
século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós
que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação,
conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um.” (Romanos 12:1-2)
Na
sequência de sua explanação sobre o evangelho de Deus na carta aos Romanos,
Paulo faz um pedido, na verdade, ele roga, para que possamos, a partir do
conhecimento dessas boas novas, que expressam de forma prática as misericórdias
de Deus, que nos apresentemos a Deus e não nos conformemos com este mundo. Esse
procedimento é o que nos capacitará a seguirmos adiante. Não adianta apenas
compreendermos o que Deus fez por nós e Suas misericórdias aplicadas sobre
nossas vidas. Aliás, fica muito evidente que Paulo está dizendo que, uma vez
que Deus foi tão misericordioso, e misericórdia aqui fala, claramente, de Deus
ter se compadecido de nossa miséria (como sugere a palavra original), devemos
agora viver para ele, nos apresentarmos como um sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus.
Mas,
como é isso na prática? O que é nos apresentarmos a Deus como sacrifício vivo e
não nos conformarmos com esse mundo? Em primeiro lugar, é necessário
entendermos que a palavra conformar neste versículo significa tomar a forma. A
ideia é aquele brinquedo de massinha, das crianças. A massinha toma a forma que
a criança deseja que ela tome a partir de um molde e Paulo, ao utilizar essa
palavra, dá a ela o mesmo sentido. É não tomarmos a forma deste século ou, em
outras traduções, deste mundo, que é um molde que tenta nos fazer idênticos a
todos os que o servem.
Gostaria
de tentar mostrar com um exemplo bíblico como é, de forma prática, nos oferecermos
como sacrifício, não nos conformarmos com este mundo e termos nossas mentes renovadas,
que é o outro ponto. O cristão precisa ter sua mente renovada, pois, desde que
nascemos, temos sido bombardeados com os princípios, tradições e regras deste
mundo, que premia o egocentrismo, ou seja, uma vida onde tudo gira em torno de
nós mesmos. O personagem que, para mim, expressa de maneira clara essa verdade
é Moisés. Sua trajetória mostra como Deus trabalhou todos esses passos em sua
vida.
1º Passo: Moisés oferecendo-se a Deus
Todos
os leitores da Bíblia conhecem a história de Moisés, que está registrada no
livro de Êxodo, por isso não acho necessário que a contemos aqui. O fato é que Romanos 12:1-3 pode ser visto, em
todos os seus momentos na vida desse servo de Deus. O primeiro ponto é que nós
devemos nos oferecer a Deus. Ouvi, certa vez, um irmão usar a seguinte
expressão “Deus é um cavalheiro, ele não força ninguém a fazer coisa alguma” e creio
que esse pensamento seja verdadeiro em certo sentido. É claro que toda a
vontade de Deus será feita neste universo, mas Ele não violenta o livre
arbítrio que Ele mesmo deu ao homem. Por isso muitos se perdem, por não
desejarem servi-lo e mesmo os que creem, Deus não os força a obedecê-lo, o que
só fazemos por amor a Ele e sempre impulsionados por sua graça, que nos capacita.
A
história de Moisés começa com um ato de fé de seus pais, não permitindo que ele
fosse morto ao nascer, conforme era a ordem de faraó. Ele foi escondido por eles
e, depois, como sabemos, foi colocado na água, “encontrado” pela filha da filha
de Faraó, devolvido aos seus pais, por causa da esperteza de sua irmã, onde
ficou até ser desmamado. Creio que nesse período, Moisés recebeu as informações
necessárias para saber da vontade de Deus de libertar Seu povo. Quando pensamos
em uma criança ser desmamado, na nossa cultura, pode ser até os dois anos de
idade, porém, na cultura hebréia, isso acontecia com a criança bem mais velha,
o que daria condições aos seus pais de instruí-lo nessa verdade.
Moisés
cresceu sabendo que Deus haveria de libertar seu povo da servidão do Egito e,
mais ainda, que Ele o faria pelas suas mãos (Atos 7:25). Por isso ele mata o
egípcio que maltratava seus irmãos. Esse é o primeiro ponto, Moisés
oferecendo-se a Deus. Ele sabia que o Senhor faria algo com relação ao Seu povo
e queria ser instrumento nas mãos de Deus, assim oferece a Ele o que tem, embora
isso se mostre totalmente inadequado. Ao tentar servir a Deus, oferecendo-se a
Ele, Moisés comete um assassinato. Do ponto de vista humano, pode-se dizer que
esse seria o fim da experiência de Moisés. Deus usaria um assassino? Talvez, se
eu fosse Deus, diria a Moisés “você não entendeu nada, Moisés. Ao invés de me
deixar fazer tudo, você agiu por conta própria e fez uma grande bobagem. É o
fim, vou escolher outro”. Porém, glória a Deus, não somos como Deus e Ele não é
como nós.
Nesse
fato, na verdade, está o início para Moisés, pois Deus recebe sua oferta. A
oferta de si mesmo para servi-lo e libertar o Seu povo. É como se o Senhor
dissesse “muito bem, Moisés, você quer me seguir, mas não sabe como fazê-lo,
pois os seus caminhos são bem diferentes dos meus e seus métodos totalmente
inadequados. Mas eu aceito sua oferta. Agora vou fazer como deve ser feito”.
No dia
seguinte, Moisés sai novamente e tenta apartar uma confusão entre alguns
hebreus. Mesmo tendo cometido um assassinato, Moisés sente-se adequado e em
condições de liderar o povo. Porém, pela declaração do hebreu sobre o fato do
dia anterior, fica claro para ele que tudo já havia sido descoberto, mesmo ele
tendo tentado encobri-lo, enterrando o egípcio na areia. Nossos erros e
fracassos estão diante de Deus, mesmo que os tentemos encobrir, mas aí está a Sua
misericórdia, no fato de que Deus os usa, quando temos um sincero coração de
arrependimento, para nos amoldar à Sua vontade. E Moisés tem que fugir para o
deserto (aliás, para detrás do deserto). Porém, é Deus agindo, Ele recebeu a
oferta de Moisés para servi-lo e agora vai trabalhar nele. Para isso, é preciso
tirá-lo do Egito.
O fato
é que muitas vezes nos oferecemos a Deus de forma inadequada, tentando servi-lo
na nossa própria força e vontade, mas Deus aceita nossa oferta, quando a
fazemos com um coração sincero. Obviamente, não estou incitando a cometermos
erros, pensando que os fins justificam os meios, mas, quando desejamos servir,
de coração a Deus, Ele nos aceita.
Então,
depois do oferecei-vos a Deus, vem o não nos conformemos com este mundo, a
partir de onde Deus nos tomará e nos moldará à imagem de Seu Filho. Ao nos
oferecermos a Ele, devemos permitir que Ele nos aperfeiçoe, nos fazendo iguais
a Cristo. E é o que Deus vai fazer com Moisés.
2º
passo: Moisés não se conformando com este mundo
Ao
saber que seu crime havia sido descoberto, Moisés foge em direção ao deserto.
Porém, creio que, desde o princípio, já era Deus quem estava dirigindo todas as
coisas. E Moisés começa, então, a ver o quão inadequado é para a obra de Deus.
Ele, que cuidava que Deus iria libertar o povo por suas mãos, agora está
fugindo. A Bíblia diz que ele foi parar “detrás do deserto”, provavelmente
indicando que ele atravessou todo deserto indo parar no lado contrário ao Egito.
Essa
expressão mostra que Moisés foi levado por Deus para longe, muito longe do
Egito, seus princípios, diversões, estilo de vida, cultura e sabedoria, tudo o
que o lugar mais proeminente da terra na época podia oferecer. Começa então o
trabalho de transformação de Moisés, de egípcio em servo de Deus.
O
Egito é, claramente, um tipo do mundo e, quando Moisés encontra as mulheres
indo pegar água e as livra dos pastores (Êxodo 3:16-19) elas o descrevem como “um
egípcio” (v.19). Moisés vestia-se e se portava como um egípcio e estava
impregnado da cultura do Egito. É um tipo perfeito de cada um de nós, cristãos
que, ao irmos a Cristo, vamos carregados da cultura e dos modismos deste mundo
e precisamos ser trabalhados, amoldados, conformados à imagem de Cristo. Ele
deve crescer e nós diminuirmos, conforme disse João Batista (João 3:30). E
Moisés, para ser o líder que tiraria o povo do Egito, não podia continuar da
mesma maneira, um verdadeiro egípcio, mas tinha que ser transformado.
O
relato bíblico mostra que Moisés fica morando ali e torna-se um pastor de ovelhas.
Que interessante! Se vivêssemos na época de Moisés, rapidamente deduziríamos
que ele estava caindo, descendo, de príncipe, filho da filha de faraó, a pastor
de ovelhas, uma abominação para os egípcios (Gênesis 46:34). Moisés se torna
exatamente aquilo que os egípcios desprezavam e abominavam: um mero pastor de
ovelhas. O que é abominável aos olhos de Deus é honrado pelo mundo e o
contrário também é verdadeiro. Aquilo que o mundo honra e venera, geralmente é
abominável diante de Deus.
3º Passo – Moisés tendo sua mente
transformada
Moisés
passa quarenta anos de sua vida aprendendo a cuidar das ovelhas de seu sogro,
debaixo do sol escaldante, sozinho, atrás do deserto. Era um trabalho do
Espírito de Deus, moldando o novo Moisés aos Seus padrões e princípios. Ele
havia absorvido, também por quarenta anos, o estilo de vida, conhecimento e
cultura dos egípcios e agora precisava ser “desintoxicado” de tudo isso.
É
interessante notarmos que Moisés, que havia sido instruído em toda a ciência
dos egípcios, poderoso em palavras e obras (Atos 7:22), ao aproximar-se de Deus
quando Ele se manifestou na sarça ardente, depois de quarenta anos no deserto,
declara nem mesmo saber falar. Ele havia sido despido do velho Moisés, forte e
eloquente, para tornar-se o homem mais manso sobre a face da terra (Números
12:3). Que trabalho de Deus. E é isso que Ele deseja fazer conosco ao nos
livrar do molde deste mundo. Somos instruídos e trabalhados por Ele para que
sejamos como Cristo, e possamos dar testemunho de Seu Filho. E isso é uma
grande bênção para cada um de nós.
Ao
final dessa etapa, quando Moisés encontra-se com Deus, ele nada mais é do que
um pastor de ovelhas, reconhecendo-se inadequado para a obra de Deus. Ele teve
sua mente transformada. Ele não pensava mais de si mesmo além do que era
verdadeiro (Romanos 12:3), pois Deus havia renovado sua mente, levando-o a
considerar-se inadequado para Sua obra. O princípio para um serviço eficaz a
Deus reside no fato de o homem saber que, para servi-lo, é necessário compreender
que sem Ele nada pode ser feito (João 15:5). E Moisés entende isso. Porém, ele
vai além, o que desagrada a Deus. É preciso que entendamos que somos
inadequados, mas também devemos compreender que Deus nos torna adequados para
Sua obra quando vemos nossa incapacidade. A dependência dele é a base para
servi-lo e, quando entendemos isso, devemos nos levantar e servi-lo. O trabalho
de Deus em nossas vidas jamais deve gerar uma paralisia espiritual, mas uma vida
ativa, andando nas boas obras que Ele mesmo preparou de antemão para que
andássemos nelas (Efésios 2:10). Moisés, porém, insiste com Deus que não é
capaz – e não era mesmo – porém, o próprio Senhor estava mostrando a Ele que a
obra era dele mesmo e que ele o capacitaria a fazê-la. Isso é pensar de nós de
forma inadequada. Se Deus nos capacita e manda fazer algo, devemos fazer na
força que Ele mesmo provê (Efésios 6:10), do contrário, nós o desonramos dando
um testemunho inadequado.
Devemos
sempre nos lembrar da parábola dos talentos (Mateus 25), quando o Senhor divide
entre seus servos os talentos (dons), um cinco, outro dois e a outro um
talento. Cada um recebeu talentos e deveria negociar com eles. Todos têm
talentos, alguns cinco, outros dois e outros um, e devemos trabalhar com eles.
Os dons são de Deus, não nossos, mas nos foram dados capacitando-nos por Ele
mesmo para servi-lo e não podemos enterrá-los. Moisés estava tentando fazer isso,
o que gerou a ira de Deus sobre ele, por não entender que era Deus quem o
estava capacitando por todo esse tempo no deserto e que a própria forma que o
Senhor se revelou a ele, numa chama que ardia sem queimar o arbusto, era um
indício de que o fogo de Deus arderia nele, sem consumi-lo. Mas, felizmente, O
Senhor o convenceu e ele serviu a Deus como pastor do Seu povo.
4º Passo – Experimentando a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus
A
partir do momento em que Moisés se dobra a Deus e O obedece, ele pode experimentar
a boa, agradável e perfeita vontade de Deus e partir para tirar o povo do
domínio dos egípcios. Moisés é capacitado com os dons de Deus, a ponto de fazer
muitos sinais diante dos egípcios. Ele passa a liderar o povo, o que se torna um
trabalho difícil, mas conta, constantemente com a aprovação de Deus.
Os
anos no deserto cuidando de ovelhas têm um papel importante nesse novo serviço
de Moisés. As ovelhas são difíceis de serem cuidadas, pois são animais tolos e
medrosos, podendo ser perturbados por qualquer coisa, além de serem alvos fáceis
para os predadores. Não é à toa que a Bíblia nos chama de ovelhas e ao Senhor
Jesus, nosso Pastor, pois somos como esses animais. Deus ensinou Moisés a
cuidar de ovelhas e esse conhecimento
adquirido, embora agora sejam “ovelhas humanas”, porém igualmente fáceis de
serem perturbadas e alvos fáceis do inimigo, o ajudará a liderá-los para dentro
da vontade de Deus. E ele cumpriu seu papel, não sem dificuldades. Houve
momentos em que Moisés quis desistir, houve mortes, choro, tragédias e
incompreensão, até mesmo de seus irmãos de sangue. Mas ele havia aprendido a
lição e Deus estava com Ele.
Experimentar
a boa, agradável e perfeita vontade de Deus não significa que viveremos num
lindo jardim, num mar de rosas, mas que seremos constantemente transformados à
imagem de Jesus, nosso Senhor, e, para que isso aconteça, haverá, muitas vezes
sofrimento, tristezas e até mesmo perdas, como houve com Moisés. Tudo, porém,
com o fim de que sejamos aperfeiçoados, que Cristo cresça em nós para que nós
demos um testemunho dele mesmo. Foi assim com Moisés, foi assim com o Senhor,
que deixou o esplendor de Sua glória, para morrer, e morte de cruz e não será diferente
conosco. (Filipenses 2:5-11). No entanto, o gozo que nos está proposto, a
alegria que temos no Espírito Santo, a paz que excede a todo entendimento e a
graça que é superabundante, encherão nossos corações, enquanto somos
transformados à imagem de Cristo, temos nossas mentes renovadas e nos aproximamos
de Deus, servindo-O em nossos espíritos.
Que
permitamos a Deus levar-nos para detrás do deserto e nos moldar,
transformando-nos e renovando nossas mentes, para que possamos experimentar Sua
vontade. Amém!
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